Brasil tem mais alunos que se formam professores do que outros países. Por que isso é um problema?

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Brasil tem mais alunos que se formam professores do que outros países. Por que isso é um problema?


Estudo do BID mostra que profissão acaba sendo refúgio por causa da facilidade maior de entrar no ensino superior, mensalidades de baixo custo e educação a distância

Porto Velho, RO - O Brasil é um dos países com maior proporção de alunos matriculados em cursos para formar professores, mas com um dos mais baixos índices de interesse na profissão. Para especialistas, isso mostra que a docência se torna opção pela facilidade em ingressar no ensino superior, baixas mensalidades e alternativa de cursos a distância - não pela vocação. Estudos internacionais mostram que um bom professor é um dos fatores que mais influenciam na aprendizagem do estudante.

Os dados são de pesquisa feita pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e pelo Instituto Península, que traçou o perfil de quem estuda para ser professor na América Latina e Caribe. Enquanto no Brasil, 20% dos universitários estão em cursos como Licenciatura e Pedagogia, na América Latina são 10%, em países desenvolvidos, 8%. Em compensação, só 5% dos jovens brasileiros dizem querer ser professores quando estão no ensino médio. E, apesar da grande quantidade de alunos desses cursos no Brasil, faltam docentes para lecionar disciplinas específicas, em áreas de Exatas e Ciências.

Na Coreia do Sul, por exemplo, 21% se interessam pela profissão e só 7% ingressam, de fato, na universidade, porque há muita concorrência e maior seleção. No Chile e no México, os dois índices são mais próximos, cerca de 7% se interessam e menos de 15% cursam Pedagogia ou licenciatura.

Segundo o Estadão apurou, o Ministério da Educação (MEC) deve anunciar no fim do mês um programa sobre formação de professores com revisão de diretrizes curriculares.

“Muitos alunos em ensino médio entram em programas de formação de professores por um refúgio, não há muita exigência e acaba sendo um caminho mais fácil para conseguir um título”, diz o economista chefe da divisão de educação no BID, Gregory Elacqua. “Isso não é bom para a educação, queremos os melhores profissionais.”

A pesquisa mostra ainda que a nota no Pisa - avaliação internacional de estudantes - dos jovens brasileiros e outros latinos que querem ser professores é mais baixa que a da média. Em países como Alemanha, Finlândia e Japão, ela é mais alta que a dos demais. Como consequência, depois de formados, os professores da América Latina têm dificuldade em passar em concursos públicos ou receber outras certificações.

“A gente atrai as pessoas mais vulneráveis e que lá na frente vão enfrentar o desafio de educar crianças vulneráveis também”, diz a diretora de políticas públicas do Instituto Península, que atua na área de formação de professores, Mariana Breim. “Se é este público que está procurando a docência, temos de abraçá-lo e fazê-lo se apaixonar por ela”, completa. Os dados mostram também que 71% dos alunos de Pedagogia e Llcenciatura são mulheres no Brasil, índice semelhante em outros países latinos.

Mariana vê como um problema o rápido crescimentode cursos a distância para formar professores. Hoje, 1,6 milhão de pessoas cursam licenciaturas no Brasil, 60% delas a distância. Pesquisas mostram que essa modalidade tem maior evasão e que 70% dos alunos não realizam nem a quantidade mínima de horas de estágio obrigatório. “A docência é uma atividade relacional. Ele vai dar aula presencial e não remota depois. O aluno precisa de ajuda para permanecer na universidade e precisa ir para a escola desde os primeiros anos.”

Para Elacqua, o Brasil deve investir fortemente na valorização da profissão, com campanhas nacionais, como fizeram Cingapura e Coreia, além de selecionar com mais rigor quem pode ser professor e ter bolsas para garantir a permanência desses estudantes nos cursos. Dados mostram que de dez alunos que ingressam em cursos de formação docente, quatro evadem nos dois primeiros anos e mais dois no restante. Isso ocorre pela qualidade do curso, mas também pela dificuldade em terminar o ensino superior, já que a maioria está em universidades privadas.

Douglas Teixeira, de 31 anos, cursa Pedagogia a distância e diz que o fato de não precisar ir à faculdade foi o que permitiu que ele pudesse fazer estágio durante o curso e conhecer a realidade da sala de aula nas escolas. Ele precisa trabalhar durante a graduação para pagar a faculdade.

“Durante o estágio, me sobrava tempo só no fim de semana e aí eu me enterrava nas aulas, fazia todas que não tinha conseguido nos dias de semana”, conta ele, que estuda na Estácio de Sá, no Rio. Teixeira é filho de uma empregada doméstica e o primeiro da família a cursar ensino superior, como 83% dos alunos de Pedagogia e Licenciatura a distância na instituição.

A Estácio tem 70 mil estudantes nessa modalidade, que pagam mensalidades de R$ 160. “A escolha não é entre presencial ou EAD (educação a distância). Hoje, para muitos no Brasil, a escolha é entre EAD ou simplesmente não poder estudar”, diz o diretor de ensino da grupo Yduqs e reitor da Universidade Estácio de Sá, Flávio Murilo Gouvea. Segundo ele, alunos de cursos a distância têm desempenho semelhante aos do presencial em avaliações nacionais e são acompanhados por meio de exercícios, provas, pelo monitoramento do uso da plataforma digital, além das interações com os professores.

Especialistas dizem que é preciso investir em bolsas para quem estuda para ser professor Foto: Tiago Queiroz/Estadão


Bolsa permanência

Uma das propostas do Movimento Profissão Docente, que reúne entidades do terceiro setor, com apoio da Fundação Getulio Vargas (FGV), é uma bolsa que juntaria o valor de dois auxílios que já existem hoje no Ministério da Educação (MEC), com novas exigências. A nova bolsa pagaria R$ 1,3 mil para que o estudante de 1º ao 4 º ano se dedicasse a atividades práticas durante o curso de formação de professores a partir de parcerias das universidades com as redes de ensino. As bolsas até o início de 2022 eram de R$ 400 e foram reajustadas para R$ 700 pelo governo Lula.

“É preciso induzir a universidade a apresentar um projeto de mudança no currículo, ampliando o número de horas da prática pedagógica, sem abrir mão de fundamentos”, diz o diretor do Centro de Desenvolvimento da Gestão Pública e Políticas Educacionais da FGV, José Henrique Paim. Na semana passada, a secretária executiva do MEC, Izolda Cela, acompanhou o evento de apresentação do estudo do BID e dessa proposta.

O MEC informou, em nota, que a formação docente é tema prioritário para o governo e que um dos focos é aproximr estudantes que querem ser professores das salas de aula. A ideia é o “fortalecimento dos programas de licenciatura, revisando as diretrizes, em parceria com as instituições de ensino superior”. O Estadão apurou que o programa deve ser anunciado ainda este mês, após divulgação das avaliações do Enade feitas com cursos de Licenciatura.

Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), do MEC, mostram ainda um problema adicional: muitos professores dão aulas em áreas para as quais não são formados. No ensino médio, 37% e 24% dos docentes que lecionam Física e Química, respectivamente, têm LIcenciatura em outra área.

Uma das metas do Plano Nacional de Educação (PNE), que é lei no País, é a de que todos os professores e as professoras da educação básica tenham formação específica de nível superior, obtida em curso de Licenciatura na área de conhecimento em que atuam.


Fonte: Estadão

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