Ex-ministro Renato Janine Ribeiro critica falta de programa de segurança pública na esquerda: “É preciso repressão eficaz com respeito aos direitos humanos”

Ex-ministro Renato Janine Ribeiro critica falta de programa de segurança pública na esquerda: “É preciso repressão eficaz com respeito aos direitos humanos”

Para o professor da USP Renato Janine Ribeiro, Lula errou ao dizer que traficantes são vítimas dos usuários. Segundo ele, a declaração certamente será explorada pelos seus adversários nas próximas eleições, apesar do presidente ter se retratado.

Ex-ministro da Educação e professor de Ética e Filosofia da USP, Renato Janine Ribeiro viu fala de presidente Lula sobre tráfico de drogas como 'infeliz' - Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Porto Velho, RO - Dias antes da megaoperação policial no Rio de Janeiro que deixou mais de 100 mortos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) declarou que “os usuários são responsáveis pelos traficantes, que são vítimas dos usuários também”. A fala, considerada infeliz, gerou forte repercussão política e foi explorada por adversários, como o governador paulista Tarcísio de Freitas (Republicanos), potencial candidato à Presidência em 2026.

Em entrevista à BBC News Brasil, o professor da USP e ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro afirmou que a esquerda brasileira ainda não conseguiu formular um projeto sólido de segurança pública, capaz de combinar respeito aos direitos humanos com eficácia no combate ao crime.

“Falta à esquerda um programa sério de segurança pública. É preciso unir direitos humanos e repressão inteligente, com base em dados e ciência”, disse Janine.


“Direitos humanos só falam aos convertidos”

Janine argumenta que o debate sobre segurança foi “entregue” à direita há décadas, desde o período de redemocratização. Para ele, a esquerda ficou presa à defesa dos direitos humanos, enquanto a direita e a extrema-direita monopolizaram o discurso da “lei e ordem”, explorando o medo e a insegurança cotidiana da população.

“A direita se refugiou na pauta da segurança, acusando os direitos humanos de proteger bandidos. Criaram-se duas bolhas que não se falam. A esquerda fala para convertidos, e isso é um erro em uma democracia”, afirmou.


Crítica à falta de inteligência nas políticas públicas

O ex-ministro ressaltou que o combate ao crime precisa ser científico, com uso de dados e cruzamento de informações — o que, segundo ele, ainda é insuficiente no Brasil. Citou exemplos de políticas públicas bem-sucedidas, como o Bolsa Família, que utiliza cadastros unificados para evitar fraudes, e defendeu que o mesmo princípio deveria orientar as ações de segurança pública.

“Enfrentar o crime é uma questão científica. É preciso cruzar informações, integrar bancos de dados e coordenar esforços entre estados e União.”


Lula e a fala polêmica

Para Janine, a frase de Lula sobre o tráfico foi mal formulada, mas não errada em essência — o presidente teria tentado se referir à lógica de que a demanda cria a oferta, ou seja, o consumo alimenta o tráfico.

“Ele quis dizer que há uma demanda muito grande e que isso gera a oferta ilegal. Mas a forma foi infeliz, ainda mais antes da operação no Rio”, avaliou.

A operação, realizada nos complexos do Alemão e da Penha, foi a mais letal dos últimos anos, reacendendo o debate sobre violência policial e militarização da segurança pública. Segundo Janine, há risco de o tema ser explorado eleitoralmente pela direita nas eleições de 2026.


“A esquerda fala à razão; a direita fala ao medo”

Janine também observa que a esquerda perdeu a capacidade de comunicar emocionalmente com a população, diferentemente do início dos anos 2000, quando o PT usava discursos voltados à empatia e à justiça social.

“Hoje, a esquerda fala à razão; a direita fala ao medo. E o medo mobiliza mais.”


Consórcio da Paz e disputa narrativa

Após a operação no Rio, governadores ligados à direita anunciaram o Consórcio da Paz, aliança para cooperação entre estados no combate ao crime. Para Janine, a iniciativa é retoricamente eficaz, mas conceitualmente vazia.

“Chamar isso de ‘Consórcio da Paz’ é puro Orwell. Em 1984, dizia-se: ‘Paz é guerra’. É manipulação de linguagem”, criticou.


Desafio político

Janine conclui que o maior desafio da esquerda é conquistar o eleitorado de centro e formular um modelo federativo de segurança pública, nos moldes do SUS ou do Sistema Nacional de Educação.

“Desde Luiz Eduardo Soares, há 30 anos, não surgiu um projeto consistente de segurança pública na esquerda. O problema não é de unidade, é de formulação”, resumiu.


Fonte: Terra.com 

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