Por que Flórida, destino de Bolsonaro nos EUA, atrai tantos líderes estrangeiros que perderam poder

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Por que Flórida, destino de Bolsonaro nos EUA, atrai tantos líderes estrangeiros que perderam poder


Bolsonaro cumprimenta apoiadores no condomínio onde está hospedado na Flórida

Porto Velho, RO - Quando desembarcou na Flórida no dia 30 de dezembro, depois de deixar o Brasil em um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) pouco antes do final de seu mandato, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) escolheu um destino que é não apenas um dos preferidos dos brasileiros, mas também de inúmeros líderes latino-americanos após deixarem o poder.

A presença de Bolsonaro em solo americano tem gerado desconforto, especialmente depois que milhares de apoiadores do ex-presidente invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes em Brasília, no dia oito de janeiro.

Na quarta-feira (11/01), mais de 40 deputados do Partido Democrata dos EUA enviaram uma carta ao presidente americano, Joe Biden, dizendo que o país "não deve fornecer abrigo" a Bolsonaro, "ou a qualquer autoritário que tenha inspirado tamanha violência contra instituições democráticas".


Uma extradição dependeria de pedido do governo brasileiro, o que, segundo o secretário de Estado americano, Antony Blinken, não houve até o momento.


Mas, apesar do descontentamento dos parlamentares democratas, esta não é a primeira vez que o país e, mais especificamente a Flórida, serve de destino para um "líder controverso", como Bolsonaro costuma ser chamado pela imprensa americana.

Ao decidir não participar da cerimônia de posse de seu sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e se instalar em uma residência em Kissimmee, cidade próxima a Orlando, no centro do Estado, o ex-presidente brasileiro seguiu os passos de diversos políticos nos últimos quase cem anos.

Nesta semana, em uma reportagem sobre o "estranho fascínio" que a Flórida exerce sobre líderes estrangeiros que deixaram o poder, o jornal americano The Washington Post incluiu Bolsonaro em uma lista que começa em 1933, quando o general cubano Gerardo Machado foi derrubado após oito anos no poder e fugiu de Havana.

Alguns chegaram à Flórida fugindo de revoluções que derrubaram seus governos. Outros escolheram viver no Estado em exílio autoimposto após deixarem o poder.

Segundo o cientista político Andrew Janusz, professor da Universidade da Flórida, a popularidade do Estado como destino tem motivos semelhantes aos que atraem imigrantes menos famosos.


"Uma das razões é geográfica. Para alguns desses líderes latino-americanos, fugindo na calada da noite, Miami era um local relativamente próximo", diz Janusz à BBC News Brasil.


"Há também a proximidade cultural e o senso de comunidade. A Flórida tem população brasileira, cubana, venezuelana, colombiana", enumera Janusz.


"É uma comunidade da qual esses líderes sentem que podem fazer parte. Muitas vezes, os próprios membros dessas comunidades se veem como exilados ou refugiados."

'Mussolini dos Trópicos'


Se Bolsonaro muitas vezes é chamado pela imprensa estrangeira de "Trump dos Trópicos", em relação a sua proximidade com o ex-presidente americano Donald Trump, o general Gerardo Machado era apelidado de "Mussolini dos Trópicos", ou "Mussolini de Cuba".


CRÉDITO,GETTY IMAGES Legenda da foto,
O ex-presidente cubano Gerardo Machado (ao centro, de óculos) foi mais um político latino-americano que procurou refúgio na Flórida


Em sua longa peregrinação durante o exílio, o general cubano passou brevemente por Miami antes de viajar ao Canadá e, depois, à Alemanha.


Após alguns anos, ele retornou a Miami, onde morreu em 1939 e está enterrado, no cemitério Caballero Rivero Woodlawn North Park Cemetery and Mausoleum.


O general aparece ainda em uma lista compilada em 2010, quando o jornal Miami New Times publicou os endereços onde "ditadores latino-americanos" refugiados na Flórida viveram.


Na reportagem, o jornal descrevia o Estado como "a casa de repouso de homens fortes do Exército, torturadores e vários outros personagens desagradáveis do Hemisfério Sul".


Machado não foi o único ditador cubano com relação próxima com a Flórida. Fulgencio Batista, derrubado pela revolução liderada por Fidel Castro, tinha uma casa no Estado, onde viveu por alguns anos na década de 1940, depois de seu primeiro mandato como presidente.


Mas, ao fugir de Cuba após a revolução, em 1959, Batista não conseguiu asilo nos Estados Unidos. Ele acabou refugiado na Europa, onde morreu em 1973.


Duas décadas depois da fuga de Batista, outro líder latino-americano também tentou obter refúgio na Flórida. Anastasio Somoza Debayle, conhecido como "Tachito" e último membro da família Somoza a governar a Nicarágua, chegou a Miami em 1979, após o avanço das tropas sandinistas.


Somoza se instalou em uma mansão na comunidade exclusiva de Sunset Island, mas acabou ficando por pouco tempo. Sem conseguir asilo nos Estados Unidos, ele se refugiou no Paraguai, onde foi assassinado um ano depois.


O ex-presidente haitiano Matthieu Prosper Avril desembarcou em uma base militar perto de Miami em março de 1990, após deixar o Haiti a bordo de um jato militar dos Estados Unidos. Seus dois anos de governo, encerrados em meio a grandes protestos, foram "marcados por graves violações de direitos humanos", segundo a Anistia Internacional.


Proprietário de imóveis na Flórida, Prosper Avril permaneceu no Estado até 1992 quando, em meio a um processo em que era acusado de abuso de direitos humanos, acabou retornando ao Haiti. No início dos anos 2000 ele chegou a passar tempo na prisão, mas voltou a Miami em meados da década, após ser libertado.


A lista de ex-líderes estrangeiros que em algum momento passaram pela Flórida em busca de refúgio, com diferentes motivos e graus de sucesso, inclui vários outros nomes, entre eles os venezuelanos Marcos Peréz Jiménez e Carlos Andrés Pérez, o boliviano Gonzalo Sánchez de Lozada e o panamenho Ricardo Martinelli.


Este último chegou a Miami em 2014, após deixar o poder, e se instalou em uma mansão em Coral Gables. Ele foi preso três anos depois e extraditado em 2018, a pedido das autoridades panamenhas.

Rotina em reduto de apoiadores


Na carta enviada a Biden, que foi costurada pelo Washington Brazil Office, os parlamentares democratas pedem que Bolsonaro seja investigado por possível envolvimento "em ataques à democracia no Brasil".


O documento cita "meses de invenções pré e pós-eleitorais de Bolsonaro e seus aliados, alegando que a eleição presidencial de 30 de outubro havia sido roubada".


Os deputados também pedem que os Estados Unidos revoguem qualquer visto diplomático que o ex-presidente esteja usando.


Como Bolsonaro entrou nos Estados Unidos antes do fim de seu mandato, acredita-se que ele tenha usado um visto A-1, reservado a chefes de Estado e indivíduos em visitas diplomáticas ou oficiais.


CRÉDITO,GETTY IMAGES Legenda da foto,

Parlamentares democratas pediram em carta a Joe Biden que Bolsonaro seja investigado por possível envolvimento "em ataques à democracia no Brasil"


"Como ele não é mais o presidente do Brasil e tampouco exerce atualmente o cargo de oficial brasileiro, solicitamos que reavalie sua situação no país para verificar se há base legal para sua estada e revogue qualquer visto diplomático que ele possa possuir", dizem os parlamentares.


Bolsonaro disse recentemente que desistiu de seu plano inicial de ficar nos Estados Unidos até o fim do mês e que pretende voltar ao Brasil "nos próximos dias". A mudança de planos teria ocorrido após uma breve internação hospitalar nesta semana para tratar de uma obstrução intestinal.


Em meio a especulações sobre os próximos passos do ex-presidente brasileiro, a imprensa americana e as redes sociais têm acompanhado com curiosidade detalhes da nova rotina de Bolsonaro, relatando suas aparições em atividades prosaicas, como uma refeição na rede de fast food Kentucky Fried Chicken ou uma visita ao supermercado Publix.


Em Kissimmee, onde está hospedado numa casa pertencente ao ex-lutador José Aldo, em um condomínio fechado perto dos parques da Disney, Bolsonaro foi fotografado cercado de apoiadores e dando autógrafos para fãs. O imóvel, chamado de "mansão" por vários veículos de imprensa brasileira, foi descrito pelo Washington Post de "uma casa modesta, de dois andares".


Lar de mais de 110 mil brasileiros, a Flórida é uma das principais comunidades brasileiras nos Estados Unidos. Milhares de turistas brasileiros também visitam o Estado todos os anos, muitos deles atraídos pelos parques da Disney, na área onde agora Bolsonaro está hospedado.


O Estado é um reduto bolsonarista, onde o ex-presidente conquistou 74% dos votos no primeiro turno da eleição do ano passado.


"Tanto nas eleições presidenciais de 2018 quanto em 2022, Bolsonaro recebeu uma substancial fatia do voto no Estado", destaca Janusz, da Universidade da Flórida. "Acho que isso tem um apelo para ele (e pesou) na decisão de vir à Flórida."


Na política americana, depois de anos sendo considerado um importante "Estado pêndulo", que dependendo da eleição podia dar maioria ao Partido Democrata ou aos republicanos, o Estado vem se firmando como reduto conservador.


O governador, Ron DeSantis, é uma estrela em ascensão no Partido Republicano e vem despontando nas pesquisas de intenção de voto para as primárias que decidirão o candidato republicano na eleição presidencial do ano que vem.


Também é na Flórida, mais especificamente em Palm Beach, que está Mar-a-Lago, a mansão de Donald Trump usada como "Casa Branca de Inverno" durante seu mandato.


Muitos brasileiros de alto poder aquisitivo são atraídos pelo mercado imobiliário do Estado, com investimentos e residências em cidades como Miami ou Orlando.


"Acho que essa é uma diferença em relação a (imigrantes de) outros países da América Latina, que viam uma mudança para a Flórida como um tipo de refúgio político. Muitos brasileiros viam a Flórida como uma oportunidade econômica", observa Janusz. "Agora, esses dois aspectos estão começando a coincidir."


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