Marielle: não descobrir os mandantes é um fracasso que ameaça a própria democracia

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Marielle: não descobrir os mandantes é um fracasso que ameaça a própria democracia



Porto Velho, RO - A morte de Marielle Franco e Anderson Gomes foi um crime político. No caso dela, um feminicídio político. É uma derrota para a democracia brasileira que não se consiga responder, quatro anos depois, quem mandou matar Marielle.

Desvendar esse crime, punir os mandantes e executores é fundamental para todos. É importante para as famílias de Marielle e Anderson, para os eleitores de Marielle, para o Rio de Janeiro dominado por milícias, mas para todo o país também. Se uma mulher negra, com voz forte, surge na política com carreira promissora, é assassinada e o país fica tão emaranhado na investigação e tão incapaz de responder uma pergunta básica - quem mandou matar - é o país que fracassou, é a democracia que se enfraqueceu.

De lá para cá, a família de Marielle não ficou em silêncio e amedrontada. Pelo contrário. A irmã mais nova Anielle Franco assumiu um papel que nunca quis exercer, de figura pública, denunciando diariamente a morte da irmã. Criou o Instituto Marielle Franco que tem se dedicado à causa das mulheres, mulheres pretas, e as ameaças às mulheres na política.

O Instituto ganhou projeção nacional e internacional. Para se ter uma ideia, Anielle Franco foi uma das duas únicas brasileiras - a outra foi a ex-presidente Dilma Rousseff - convidada para a posse do presidente do Chile, Gabriel Boric. E lá ela participou exatamente desse debate.

Vamos refletir sobre as várias dimensões desse crime. O motorista Anderson Gomes era casado com Agatha e tinham um filho de um ano, Arthur, que nasceu com má formação. Essa mulher teve que viver todos esses quatro anos lutando sozinha para trabalhar, sustentar a casa e ainda atender a todo o trabalho com Arthur como o de fisioterapia, e todos os cuidados especiais, para que ele se desenvolva. Ela disse certa vez que teve que reaprender a viver. Uma carga forte demais.

Por outro lado, eu quero repetir os fatos como Anielle os contou em entrevistas, eu mesmo já a entrevistei. Ela foi a primeira pessoa a chegar no local do crime, ainda a tempo de ver a mão da irmã ensanguentada para fora do carro.

A polícia impediu que ela chegasse perto, mas ela um pouco depois começou a receber fotos horrendas da irmã com a cabeça aberta, feitas pela polícia e que já circulavam na internet. Duas horas depois os perfis de Marielle nas redes estavam cheios de memes e ataques de ódio, com acusações contra ela, a vítima. O que isso significa: que esse crime foi planejado para ser um duplo assassinato. Que todos aqueles ataques de alguma milícia digital estavam preparados, e o objetivo era também destruir a honra da vítima.

Por isso foi fundamental o que a família fez. A companheira Monica Benício entrou na política e se elegeu vereadora. A irmã foi para o debate exatamente para defender a honra de Marielle, restabelecer a verdade. Recebeu ameaças e tem resistido com uma força incrível.

E o que o Estado fez até agora? Descobriu e prendeu dois executores, Ronnie Lessa e Élcio Queiroz. Ronnie Lessa é um ex-policial integrante da milícia no Rio. Milícia que a Marielle sempre combateu, seja como funcionária do gabinete do deputado Marcelo Freixo, seja como vereadora.

Os investidores criaram um emaranhado na investigação, o MP já trocou três vezes de equipes, é uma confusão tão grande no processo que passa uma inadmissível incompetência e confusão. O coordenador do Gaeco, grupo do MP-RJ que se dedica às investigações de crime organizado, Bruno Gangoni, diz que o que dificulta descobrir o mandante é que os executores são profissionais e que o crime foi executado com profissionalismo.

Isso torna mais importante ainda descobrir o mandante porque foi arquitetado por uma organização, portanto, a impunidade só fará esse grupo se fortalecer e ameaçar outros que se coloquem no seu caminho.

Quero voltar ao ponto inicial. O assassinato de Marielle foi um crime político e um feminicídio. Ela foi morta por ser mulher e por ser uma voz forte contra o crime organizado no Rio. Não descobrir os mandantes é um fracasso que ameaça a própria democracia.

Fonte: O Globo


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