Diversidade: empresas abrem vagas de estágio, trainee e postos de trabalho para trans

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Diversidade: empresas abrem vagas de estágio, trainee e postos de trabalho para trans

Em um ano, houve salto na oferta de empregos, que passaram de 1.419 para 4.204

Porto Velho, RO - Quando ingressou no mercado de trabalho, em 2004, Melissa Casimiro ainda não tinha passado pelo processo de transição de gênero. Embora houvesse um incômodo latente durante o período de estágio em Direito com o uso do terno e gravata — auge do que a sociedade entende como masculino, diz ela — foi somente em 2017, após a exibição da personagem trans Ivan, na novela “A força do querer”, da TV Globo, que comunicou sua identidade ao RH da multinacional em que trabalhava.

Hoje, aos 40 anos, a advogada lembra que por muito tempo sentiu dificuldades para se afirmar como mulher negra e trans no mercado de trabalho. Melissa constatou que seu salário era menor que o dos outros e resolveu se arriscar:

— Por muito tempo não tive coragem de colocar o meu currículo na rua por ter um corpo lido como dissidente. Mas hoje estou valorizada dentro do mercado e com toda a capacitação e entrega que construí na minha carreira. O mercado está mudando. Espero que todos os homens, mulheres trans e pessoas não-binárias também encontrem portas abertas — conta ela, que há cinco meses trabalha como consultora de RH do Carrefour.

A percepção de Melissa de que o mercado de trabalho tem avançado quando se trata de inclusão e diversidade é verdadeira. Após a onda de programas de trainee voltados para profissionais negros, seleções exclusivas para pessoas trans começam a aparecer.

Dados da plataforma de empregabilidade TransEmpregos, criada em 2013, mostram que o número de vagas para profissionais trans saltou de 1.419 em 2020 para 4.204 em 2021, um aumento de 296%. A quantidade de empresas parceiras foi de 1.434 em 2021, ante 715 em 2020.

Cofundadora do projeto, Márcia Rocha, primeira mulher trans a se tornar conselheira da OAB e participante do Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+, avalia que há um movimento de inclusão em curso no país que se acelerou nos últimos anos:

— Em 2016 eram cerca de 73 empresas e tínhamos 1,2 mil currículos cadastrados. Hoje, são mais de 20 mil e temos tido de 20 a 30 vagas por dia sendo oferecidas. No início havia muita desconfiança. Mas chegou um momento em que os CEOs das multinacionais começaram a dizer: “Vamos cobrar dos nossos fornecedores que eles tenham diversidade”. E ali começou a andar muito.

Márcia afirma que as empresas começaram a perceber que estavam perdendo talentos, bons profissionais por falta de oportunidade.
Ajuda na transição

Percebendo essa lacuna a EDP, distribuidora de energia, lançou a primeira escola de eletricistas exclusiva para pessoas trans, em parceria com o Senai. São duas turmas com 16 participantes cada. Ao término do curso, tem a possibilidade de contratação pela distribuidora e o ingresso no banco de vagas da empresa.

Glaucia Santos, gerente executiva de Gestão de Pessoas da EDP no Brasil, reconhece que o setor elétrico é pouco diverso e que a capacitação de pessoas trans é o primeiro passo para incluí-las no ambiente formal de trabalho. A empresa tem 2% do quadro de funcionários que se autodeclararam trans:

— Esse é um dado importante e a gente vem fazendo um trabalho dedicado de sensibilização dos colaboradores e das lideranças explicando o que é a dimensão LGBTQIA+. O objetivo é garantir um ambiente em que as pessoas se sintam à vontade para serem quem são.

O tema entrou na pauta dos bancos. Em agosto do ano passado, o Itaú lançou a quarta edição do Bootcamp Itaú Devs, programa de capacitação em TI que, desta vez, foi exclusivo para pessoas trans. Os 40 aprovados foram contratados a partir do primeiro dia de treinamento e, em seguida, passaram a integrar a equipe de tecnologia do banco.

Sem pré-requisitos como graduação ou experiência profissional na área, o programa também ofereceu apoio psicológico, psiquiátrico e endócrino para as pessoas que estavam em transição hormonal ou com interesse em iniciar a transição, em parceria com a Educatransforma.

Formado em Ciência Política pela UnB, Marcelo Caetano, de 32 anos, foi um dos contratados. Mas ele lembra que nem sempre foi assim. Quando passou a se identificar como trans, há mais de dez anos, Caetano foi discriminado. Chegou a perder o contato com a família e não ter onde morar.

Quando ingressou na universidade, em 2011, ele e demais estudantes reivindicaram reconhecimento de nome social, aprovado dois anos depois. A entrada no mercado de trabalho, há oito anos, também não foi fácil.

— Já aconteceu de eu passar em uma entrevista e na hora de apresentar os documentos, que ainda não estavam retificados, a pessoa dizer que não tinha mais a vaga e não rolar a contratação. Acho importante que no Itaú tenham sido contratadas várias pessoas trans porque quando você é a única, isso cria dificuldade.


Adam Hiro de Paula, é técnico da TIM há oito anos. Empresa abriu um programa de seleção exclusivo para trans, com vagas no call center e em lojas Foto: Maria Isabel Oliveira / Agência O Globo

As iniciativas têm se espalhado pelos setores. No último dia 15, a TIM abriu um programa de seleção exclusivo para trans, com vagas no call center e em lojas. Os 60 contratados ganharão bolsa de estudos para cursar uma graduação.

Adam Hiro de Paula, de 30 anos, está há oito anos na TIM. Entrou em 2014 no setor de call center, fez faculdade de sistemas de informação e hoje é técnico de telecomunicações da companhia:

— Me sinto acolhido, valorizado, reconhecido. Acredito que o acolher, o instruir e o empregar são pilares contra a marginalização da comunidade transgênero.
Discriminação na ponta

A Casa&Video também abriu esta semana a seleção para o primeiro programa de trainee para suas lojas exclusivo para o público trans. A exigência é ter ensino médio completo. Serão dez vagas no Rio com duração de dois anos. Ao fim, o trainee se torna subgerente.

Mas a resistência ainda prevalece. Márcia Rocha, da TransEmpregos, cita o desafio de empresas de grande porte aumentarem a participação de profissionais trans:

— Muitas vezes o gestor local, que decide pela contratação, tem preconceito. É um trabalho longo e árduo que a gente vem fazendo, ainda tem muito chão pela frente.

Kaleb Machado, gerente de diversidade e inclusão do Carrefour Brasil, diz que as ações precisam ser contínuas.

— O trabalho de diversidade e inclusão é um desafio diário e um trabalho de formiguinha. A gente precisa desconstruir diariamente os nossos vieses inconscientes.

Fonte: O Globo

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