Marília Mendonça: a cantora que embalou o Brasil

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Marília Mendonça: a cantora que embalou o Brasil


No auge da carreira, 'Rainha da Sofrência' se despede no dia em que lançou 'Fã Clube', sua primeira música sobre uma história de amor que deu certo.

Das rodas de viola, lá nos idos de 1929, até se tornar a mania nacional que é hoje, muitas mulheres já subiram nos palcos soltando a voz no sertanejo. Inezita Barroso, Irmãs Galvão, Roberta e Sula Miranda estão entre elas, e fizeram história nas rádios do Brasil, conseguindo destaque em um ambiente dominado quase que exclusivamente por homens.

Mas foi o nascimento do “feminejo”, já nesta década, que destacou verdadeiramente o nome das mulheres dentro do universo da música caipira. Natural de Cristianópolis, em Goiás, Marília Mendonça pode ser considerada a precursora desse movimento e a prova de que elas e o sertanejo também têm vez.

É uma carreira de tanto sucesso que a “Rainha da Sofrência” é a detentora de um recorde que até 2020 era inimaginável: o de maior plateia durante uma transmissão ao vivo no canal de YouTube em todo o mundo.

Foram 3,31 milhões de espectadores assistindo Marília cantando seus amores e desamores na plataforma – número que supera as lives de nomes conhecidos globalmente, como o grupo coreano BTS ou o tenor italiano Andrea Bocelli.


A “Patroa”, como seus fãs também a chamavam, tinha apenas 26 anos e uma carreira relativamente curta, mas meteórica. O primeiro EP foi lançado em 2015 e já no ano seguinte, ela recebia o certificado de disco de platina tripla pelas 240 mil cópias vendidas do DVD homônimo.

O single “Infiel” grudou na cabeça dos apaixonados por sertanejo (e até de quem não era adepto do ritmo) e se tornou uma das canções mais tocadas no Brasil, dando à cantora uma imensa visibilidade nacional.

A intérprete trouxe para o cenário musical uma visão diferente do que os homens da sua geração estavam acostumados a cantar com o sertanejo universitário: assuntos que giravam em torno de cachaça, mulheres e traições, colocando a mulher sempre em segundo plano ou, muitas vezes, como a grande vilã de uma infidelidade. Marília fez exatamente o contrário e mostrou que elas também têm seus desejos e espaço para serem protagonistas.

Poder feminino

O empoderamento, aliás, que nasceu ali não era visto pela “Rainha da Sofrência” como uma forma de bradar o feminismo. Marília, em mais de uma ocasião, afirmou que nunca se intitulou feminista e se as suas letras se encaixavam nesse empoderamento, era uma coincidência, nada proposital.

Sou apenas uma mulher que defende a igualdade por merecimento. Não somos melhores e nem piores que os homens. Somos capazes, Marília Mendonça

No começo da carreira, chegou a dizer que o machismo não estava apenas no sertanejo, mas enraizado no país inteiro e em diversas situações. Ela nunca teve receio de emitir suas opiniões e queria mesmo era cantar a sua própria história, pois não conseguia se sentir representada nas letras das canções que ouvia.


Nunca fui princesa, meus relacionamentos nem sempre deram certo. E eu precisava ouvir alguém falar, Marília Mendonça

Outro conceito que Marília difundiu entre os fãs foi a união entre as mulheres, a sororidade – termo que a própria se recusava a tomar posse. Para ela, todas têm o dever de se unirem para conquistarem seus objetivos.


O que eu sonho de verdade é que as mulheres se unam, que elas jamais abaixem a cabeça, Marília Mendonça

No palco, Marília quebrou padrões também no visual e maneira de se apresentar. Das mulheres vestidas de bota, chapéu, estampa xadrez e cinto com fivela enorme, ela deu lugar para a cantora caipira que veste roupas da moda, com cores, saias curtas, brilho, vestidos, tênis e o que mais ela se sentisse confortável em usar.

Sua bandeira sempre foi de que “a mulher pode ser o que ela quiser”, o que explica também o motivo de voltar a atenção ao físico depois de assumir com orgulho seu peso e seu corpo. Ela emagreceu, colocou lente de contato nos dentes, fez cirurgia plástica e não tinha receio em brincar: “Acho que vão tirar minha carteira de feminista”.

Revolução no universo sertanejo

Com apenas cinco anos de estrada, Marília Mendonça foi indicada a 35 prêmios. Venceu 11, entre eles, um dos mais importantes da música e de sua carreira, o Grammy Latino, em 2019.

O álbum “Todos os Cantos” foi escolhido o Melhor de Música Sertaneja daquele ano, e nele estão “Todo Mundo Vai Sofrer” ou “Bem Pior Que Eu”, melodias de letras fáceis e números astronômicos – juntas somam quase 1 bilhão de visualizações no YouTube, plataforma em que Marília somava 22 milhões de seguidores.

A Patroa também era dona do segundo maior cachê entre todos os artistas sertanejos, só ficando atrás de Gusttavo Lima. Recentemente, ela havia dobrado o preço pelos seus shows, que passou de R$ 250 mil para mais de R$ 500 mil por apresentação.

O sucesso meteórico da goiana ajudou a alavancar a carreira de outras cantoras do feminejo como Simone e Simaria, Paula Mattos, Naiara Azevedo.

Também expôs ao grande público a figura feminina que estava por trás das letras de músicas cantadas por outros homens como Jorge & Mateus (“Maneira Errada” e “Calma”), Cristiano Araújo (“É com ela que eu estou”), Cleber e Cauan (“Preferência” e “Era Isso Que Você Queria”), Marcos e Fernando (“Ninguém estraga”), César Menotti & Fabiano (“Brindando o Fracasso”) e João Neto e Frederico (“Minha herança”).

Sua presença na música brasileira é incontestavelmente um marco para as mulheres, ajudando a amplificar suas vozes, desejos e anseios em letras de músicas que falam de amor, paixão, festa, traição e até mesmo denunciar relacionamentos abusivos.

Com o single “Você Não Manda em Mim”, em parceria com Maiara e Maraísa, ela quis ajudar a ampliar a discussão sobre o tema – não por acaso a canção foi lançada no mesmo período que eclodiu o caso de agressão do DJ Ivis à sua mulher, Pamella Holanda.



Contudo, a trajetória de sucesso terminou depois que um acidente fatal tirou a sua vida e a de outros três passageiros, além da tripulação, que estavam no avião bimotor Beech Aircraft, que caiu em uma cachoeira na serra de Caratinga, interior de Minas Gerais, na tarde de sexta-feira (5).

Antes de embarcar na aeronave, Marília fez uma brincadeira com os fãs e ligou para quatro deles para divulgar o single “Fã Clube”, um feat com Maiara e Maraísa, e destacado por ela como a primeira música sem sofrência de sua carreira. “Para quem fala que Marília Mendonça não tem músicas de amores que não dão certo, está aí”, disse.

A parceria e cumplicidade com a dupla de irmãs é de longa data e elas já se conheciam antes mesmo da fama. No começo da carreira, em 2016, as três lançaram o primeiro álbum colaborativo intitulado “Agora é Que São Elas”. Dois anos depois, gravaram a parte dois do mesmo projeto e, em 2020, criaram o “Patroas”, que pretendia viajar com shows em diversas partes do país. Era o “Festival das Patroas”.

Na sexta-feira, dia do acidente, as três estavam com duas das músicas mais tocadas do Brasil: “Esqueça-me se For Capaz” e “Todo Mundo Menos Você”.

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